quarta-feira, 20 de julho de 2011

Te apresento: o meu monstro




Movida por toda vergonha que agora me pesa a consciência, eu admito: menti. Eu menti. Eu menti. Dói, mas eu tenho de aceitar o fato de que eu enganei, iludi, fui hipócrita com quem mais precisava da minha lealdade: eu menti pra mim. Admito também que foi fácil me enganar e alimentar as verdades que eu lamentavelmente criei.
Pois pense você que o que eu mais queria agora era esconder o rosto, não tenho ideia de qual será a minha reação quando eu tiver de me encarar de novo no espelho. Tamanha a minha vergonha que custei a pegar no sono, que não durou muito, e logo veio a madrugada me puxar o pé, tirar as cobertas e me obrigar a pensar em maneiras de pedir perdão.
Dentre todos os fatos que me pesam a consciência, o pior de todos, o mais pesado, desconfortável, o mais espaçoso, o que mais machuca foi ter me dado uma rasteira, me jogado em um desfiladeiro e depois me empurrado em um poço. Eu inventei e, pior, alimentei esperanças que não deviam ter existido e agora que elas chegaram obrigatoriamente ao fim, eu não vejo como me dar a mão para sair do poço, curar as feridas, reconstituir a boa aparência, devolver o riso fácil e apontar o novo rumo a ser seguido. Eu menti pra mim mesma, fui covarde, trapaceei e essa aceitação talvez seja vista como um primeiro passo para refazer a minha moral, mas, repito, eu menti pra mim mesma e isso me soa tão agradável quanto um tapa na cara.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Sabe aquela menina da rua de cima, pai?





Meu pai não queria me contar o que estava acontecendo direito, porque até agora eu não entendi. Ele queria saber o que se passava comigo e quando eu pedi explicações, ele não quis explicar. Ele disse que eu era um menino novo demais pra entender. Juro que não entendi. Eu contei tudo pra ele.


- É que eu ando comprando mais balas que o normal na escola, pai. Descobri que aquela menina que mora ali na rua de cima gosta da mesma bala de maçã verde que eu. Todo dia eu dou duas balas pra ela e fico com as outras duas. Mas é que eu estava juntando o dinheiro pra comprar as figurinhas que completam o meu álbum. Eu estou triste por não comprar as figurinhas, mas eu acho bom quando ela sorri pra mim depois que eu dou as balas pra ela. E eu não sento mais no refeitório pra lanchar, agora eu fico lá perto da árvore no pátio. É que de lá eu a vejo brincando de pular corda. Eu não brinco mas acho bom quando ela olha pra mim e acena... Às vezes, ela senta comigo e fica me fazendo cócegas até eu dar um pedaço do meu bolo pra ela. Ela é mais legal que as outras meninas da minha sala.
- Que bom, filho! Descobriu uma nova amiguinha, vocês estão se dando bem. Me conta mais!...
- Hoje ela não quis aceitar minhas balas, não pulou corda no recreio e eu não sei onde ela foi sentar na hora do lanche. Quando eu chamei ela pra gente vir embora juntos, ela disse que não queria, que ia com o Bruno. O que foi que eu fiz, pai? E porque eu estou triste com isso?
- Ah, acho que sei o que é... Mas não tem como te explicar, você é novo demais pra entender isso. Faz o seguinte: tenta ficar bem e, por via das dúvidas, continue comprando as balas pra ela, vai que um dia ela te pede uma de novo? Não se preocupe, eu compro as suas figurinhas.