quinta-feira, 19 de junho de 2014

Saída para os tempos de metamorfose

Está tudo tão mudado que precisei fazer novos amigos. Não nego, procurei com tal desvario que de início me apegava a qualquer sorriso fácil que me aparecia. Muito me admira não me corar a face quando assumo, como agora, que a amizade que mais me valeu desde então foi justamente aquela cujos dentes nunca vi expostos e reluzentes num sorriso largo. Saudade. Minha melhor amiga nesses tempos de metamorfose: a Saudade. É uma bela amizade, pelo menos aos olhos de quem dela necessita. Não nos buscamos incessantemente, visto que não nos necessitamos tanto assim, só quando o vazio aperta. Muito me agrada o fato de não chamá-la, pois, acredite, ela sempre sabe quando é o momento de me abordar. Procuro não aborrecê-la, até quando ela se esquece do caminho de casa e fica comigo, me embalando em seus braços mesmo quando outros afazeres me esperam. Está tudo tão mudado que até as minhas crises estão mais racionais, menos trabalhadas na revolta. A Saudade entende meu apego (insensato) pelo que já passou e a minha falta de coragem pelo que há de surgir e me desmontar por completo. A incerteza é o que me desarma. A Saudade é o que me acolhe. E, tomada pela convulsão que o medo gera, só me permito murmurar: "Me dá a mão, Saudade, e me permita desacelerar um pouco o passo (tão frenético, tão sorrateiro)".

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Morreu, cara

Morreu. Jogado no chão, qualquer pacote caído de um caminhão, simplesmente morreu. E quem passa correndo acha que apenas dorme. Barba pra fazer, nome a zelar, reputação a manter, quem sabe? Talvez um filho ou dois, uma esposa e três amigos esperando no dia seguinte. Talvez deu um ataque e caiu ou sabia que ia morrer e deitou. Está ali, morreu. Sei lá, alguém pode dar falta. Ou não. Se ninguém tirar dali, vai feder. Podia gostar de sorrir, mas não importa, não vai sorrir mais. Acabou, morreu.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Espera?

Aguenta firme. Isso é fase.
E a minha consciência me ensinando que perder faz parte. Tenho perdido tempo, tempo demais. Odeio saber isso. E tempo faz falta, viu? Eu, assim, me vendo presa enquanto sobra estrada, sobra vontade, sobra saudade. Tenho perdido chances. Raras. Lindas. É, perdi. E o que tenho ganhado pelo outro lado não se equipara. Seu sorriso, sua mão, seu colo... Não tenho visto, mas ganhei um copo. Não tenho presenciado, mas ganhei algumas notas. Que trocas são essas? Por Deus! E não me permitem escolher, não me deixam correr para o que eu quero. O que me sobra: gritar pedindo para que me espere. Alguém dissolve o que me prende, por favor.
Aguenta firme. Isso é fase.
E vão dizer que é drama, vão dizer que é show. Não veem o baile de coisas vazias que me desorganiza por dentro. Acho até que ando perdendo a cor. E tudo isso é falta. Tenho personificado cheiros, vozes, tenho tentado me fazer menos sozinha, menos sem você. Estou perdendo coisa demais, tudo vai, sobra nada. Aguenta firme. Tem me sobrado algumas frases, alguns ecos, e me alimento de lembranças. Não tenho quase nada nas mãos, mas coloquei sua vida no papel pra ter a certeza de nunca perdê-la.
E vão dizer que é fase. Pra mim, é falta.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Mais perto

Foi quando eu olhei no espelho e me vi maior. Me percebi de fato, me reconheci. Há tempos eu buscava por isso. Reconheci meu nome, sobrenome e endereço. Identifiquei o que me fazia falta e foi então que me descobri. Sinto falta dos seus olhos e da calma que eles me trazem, assim, à galope, como se soubessem da necessidade que sinto disso. Sinto falta da festa repentina, do carnaval fora de época, da farra desgovernada que se aloja aqui dentro do peito quando é certo que sua presença é concreta.Você me faz bem, você me faz boa, você me faz buda, você me faz mantra, você me faz casa, me faz prece, me faz música, você me faz tanto, me faz tudo, você me faz falta ao mesmo tempo em que completa, você me faz justa, me faz o apenas e o total. Gosto de ser seu avesso, sua dança, seu cheiro. Posso ser seu extremo, seu limite, sua absurda loucura, mas sua. Lembra: sua.

domingo, 12 de maio de 2013

Você vem?

Seguimos assim, imortais, enquanto ainda é noite. Um dia há de amanhecer, eu sei que há de amanhecer, mas até lá seguimos imortais, seguimos infinitos. Dedos entrelaçados, olhos atentos mesmo que risonhos e vamos seguindo assim, vagarosos porque a noite acabou de chegar e não, não há porque correr. Desde que você veio me buscar, desde aquele convite sem mais nem porque, desde a simples vontade, me fiz noturna. Noturna, não escura e descrente, sem vida. Não. Me fiz noturna, livre pra correr em ruas vazias, livre pra cantar em vielas silenciosas, me permiti abrir os olhos e não ter que deixá-los entreabertos devido à claridade. Não importa se a face se enrubreceu, há o fogo que te queima e não se vê, é noite. Não importa se algum dia houver choro escorrendo pelo rosto quente, há o murmúrio que se ouve e se sente, mesmo que não seja visível, é noite. Corremos assim, leves, enquanto ainda é noite. Sentidos aguçados, medos vencidos, mãos dadas. Estamos lado a lado nessas ruas de sentido duplo, mão única não há, nunca houve. Podemos voltar, se quisermos, mas por enquanto vamos adiante, vamos em frente, apenas vamos. Apenas voamos. Vamos, é noite.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Porque mudamos

É, eu sei, sua vida mudou, seu mundo já não é o mesmo. Você já tem novos sentidos e eles parecem te consumir. Você já voa. Não me lembro de tê-lo visto tão leve, tão livre, podendo escolher suas algemas, procurando suas almas gêmeas por aí. Você agora ri. As estrelas são suas, meu caro! Você escolhe o que vai brilhar no seu teto, no seu quarto, você já não capina o mato e não se preocupa com o que há no caminho, pois agora é você que passa. Massa! Agora você não teme.
Sabe, eu mudei também. Mudei o caminho pra casa pois mudei a casa e digo que o bom de toda passagem é que passa. Meu caro, temos um além - brindemos! Brindemos porque a taça é nossa, o espumante é nosso e tudo (sim, o mundo) nos pertence. Porque, se olhamos pro céu, é por vontade e não por obrigação. Se desejamos a lua, é porque gozamos do poder e da simples, porém complexa, vontade. Se esquecemos da hora, meu caro, ela que nos ache por aí alegrando esquinas, cantando à liberdade.
Entendo, nós mudamos - a nós e ao mundo. Sim, você está livre. Só te peço uma coisa: não vá se perder.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Erma

Estávamos ali, sentados à mesa. Estávamos ali, ele me olhando e eu fitando o prato de comida sem ao menos me dar conta do que havia naquele prato. Ele tentando fazer com que eu me sentisse à vontade, no entanto, sem dizer uma única palavra. Tentávamos nos confortar no silêncio. E ele me olhando. Eu apenas brincava com a comida, como que buscasse algo ali em meio aos grãos. De repente, enquanto ele enchia o copo que eu nem percebi que tinha bebido, ouvi sua voz forte e profunda: " - Por que você não come mais? - Tô cheia." Era mentira. Eu nunca estive tão vazia em toda a minha vida.